sábado, 18 de junho de 2011

ANJO MAL - 3 Cap

3 CAPITULO


ENCONTRO COM A FACE DE DEUS







O jovem manteve-se em silêncio algum tempo. Tentava compreender seu itinerário de seguidor e do porquê Deus não o ter orientado para que não se desviasse de sua Palavra. Certa indignação dele mesmo e de Deus surgiu no coração e lhe trazia angústia mortal. Esse tempo todo seguiu a um Deus que não era Deus. A Religião é um engano das massas. Um fanatismo coletivo de autodestruição e criação, em outro plano, de nós mesmos deusificados. Pensava o jovem em pedaços.
- seus pensamentos seguem a lógica de seus sentimentos. Você tem razão: Deus não quis saber você e tão pouco você foi seduzido por ele. Nenhum tem culpa. Portanto, não há necessidade de reconciliação. – o demônio comentou, enquanto degustava o café.
- Ao menos me dê um pouco de privacidade em meus pensamentos! – escancarou o jovem.
- Perdão, é esse meu costume que não me abandona.  Vou me centrar no cafezinho.
Depois de mais algum tempo em silêncio, o jovem ergueu a cabeça com valentia e firmeza e confessou:
- realmente, o Deus que eu buscava não era o Deus pregado por Jesus. Porém, insistir em alguém como eu que lhe invocou sobre o pretexto de lhe adorar, simplesmente para o egoísmo justificar e esconder, esse alguém só poderia ser verdadeiramente Deus. Se esse Deus nesse tempo todo, em mim se fez espera, posso nele também esperar misericórdia.
- creio que estou quase terminando meu café para poder afastar-me de seu coração. – dessa vez foi o diabo que tentou interromper a reflexão do jovem.
- se você quiser, pode ficar mais tempo, pois até será melhor, pois assim, ao contemplar suas artimanhas poderei ainda mais me ausentar delas. E se de novo meu coração desavisado te chamar, não hesite ou se envergonhe em logo se apresentar. Café pronto vou lhe ofertar. Observando seu cínico olhar compreenderei que mais uma vez, do verdadeiro Deus, quisestes me afastar com seus argumentos ordenados e apresentados com astúcia...ah, sim, leva contigo a cruz do fracassado que a muitos humanos tem revelado e levantado. Ela será sua fraqueza, não minto, mas será a única a dizer-te quem és e ajudará a reconhecer que somente em Deus, absurdo do amor, a realidade humana transcende sua vil crueza. Obrigado por me ensinar que Deus é sempre presença e força, mesmo na minha ausência!
Terminava de falar e pressentiu que o diabo já não estava mais por lá. Não é que fora vencido, mas só tinha se ido para em outra oportunidade retornar, pois o demônio era consciente de que em luzes, ainda mais na sociedade do brilho, a pessoa humana gostava de esquadrilhar-se e fugir de sua verdadeira realidade. Não seria mais a frugal sexualidade centrada na genitalidade, distorções psicológicas, a preocupação com a imagem religiosa de um falso Deus, ou pequenas desavenças fúteis que gastaria suas energias em evitar o pecado, fruto da ausência de Deus. Por fim, concluiu que se tinha um inimigo a quem combater este seria sua própria imagem refletida no espelho. Fechou os olhos e agradeceu o sentimento de confiança que sentia no coração.
O rapaz estava aliviado e disposto a reconstruir sua existência do ponto em que estava, ou melhor, daquele encontro com o demônio, com seu demônio, com ele mesmo. Abriu a janela para deixar correr mais ar puro. Pousou no peitoril uma mariposa lutando por novas formas com o gérmen de seu existir incorruptível e único. O menino que tocou as pupilas do demônio tomou em sua mão uma caneta e se debruçou sobre um pequeno livro, fez algumas anotações e se foi ao mundo corrompido ser, de Deus, fragrância.


FIM


“É próprio do espírito mau, que se disfarça em anjo de luz, introduzir-se em conformidade com a alma devota e sair com proveito dele, isto é, suscitar pensamentos bons e santos, conforme com a tal alma justa, e depois procurar pouco a pouco atingir seus objetivos, atraindo a alma a seus enganos secretos e perversas intenções”

Santo Inácio de Loyola

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