quinta-feira, 16 de junho de 2011

ANJO MAL - 2 cap.

2 CAPÍTULO

CONFRONTO






O rapaz sabendo que não iria pôr para correr ou mesmo enganar o demônio, decidiu enfrenta-lo, confiado nas palavras que certa vez ouvira nas leituras da missa de Pentecostes pronunciadas por Jesus ao ascender aos céus, segundo a tradição de seus apóstolos: “eu estarei com vocês até os fins dos tempos”. Repetia para si mesmo aquela sentença como mantra que, de certa forma, encorajava bastante. Cheio de ânimo, pegou sua cadeira, sob o olhar inquisidor do demônio, e pôs frente a frente a ele, testa a testa, conforme o dito popular. Deu o café ao demônio e logo depois tomou o seu que havia preparado em sua xícara negra com listas verdes.

- bom menino! Não é todo dia que encontro pessoas tão valentes, que me descobrindo por dentro deste corpo e espírito reluzentes, se sentam frente a frente, crendo nas palavras de um fracassado na cruz, levantado pela mídia de pescadores nus. – tomou um gole de café – Parabéns! O café está uma delicia.

- de nada! O meu Deus, que em Cristo se encarnou e entre nós habita para todo o sempre, ensinou-me a oferecer o melhor de mim a qualquer um, pobres e os que ostentam riqueza, os violentos e os de paz, anjos e demônios.

O diabo disparou a bater palmas com o olhar embebido de ironia.

- parabéns novamente! Suas palavras me comoveram a ponto de desejar o batismo nas águas do Mar Morto ou mesmo nos córregos d’agua que ainda subsistem nos sertões do nordeste brasileiro.

- deixe de ironias e vamos ao que interessa, ou melhor, que possamos nos deter no motivo de sua vinda em que você descaradamente afirma que meu coração o há convidado tão presunçosamente à minha presença. – Alfinetou o rapaz, meio ferido pela ironia do diabo.

- concordo. Só um momento que meu café esfria. – pôs o dedo no líquido e novamente o vapor quente se elevava da xícara. – deseja que esquente o café de sua formosa xícara?

- não! Obrigado por sua demoníaca gentileza! Vou fazer minha pergunta: Porque afirma que o Deus que evoco é o Deus de meus interesses e blá, blá, blá?

- bela pergunta! Na verdade, eu que questiono o porquê de não aceitar que o Deus que adora é o Deus de seus interesses?

- eu sou consciente de minha fé e de meu Deus. Procuro encontrar o que é da Santíssima Vontade dele. Medito as Escrituras Sagradas e tento imitar o que elas me inspiram. Respeito o ser humano, amo os pobres que me ajudam a reconhecer o rosto do ressuscitado dentre os mortos. Sou devoto fiel do amor como primazia de toda ação humana. Em meus pensamentos e atos esforço-me para direcioná-los ao que me pede o Projeto do Reino que quer implantar o Senhor Jesus. Por isso tudo, ainda que desconfie meu intimo, eu creio que sigo a direção de estar adorando e servindo o verdadeiro Deus, que nos enviou, transbordado de amor, o seu Filho, Jesus Cristo, o messias esperado, nosso Senhor e Salvador. – o jovem finalizou confiante como se tivesse respondido convincentemente ao demônio.

- diga-me em que livros ou site, ou terá sido no Google, que você buscou tão belas palavras? Desconfio que tenham sido brotadas do seu terno e confiante coração adorador de Deus. Deixemos de falácias e nos preocupemos com a real situação do que tem sido sua inóspita e hipócrita existência. Confesso que em seu coração raras vezes encontrei o que é da Santíssima Vontade daquele que é para todo o sempre. Por isso mesmo, com freqüência me encontro em suas boas ações. Sem ironia: sinto-me em casa perto de você e...

- todas as palavras brotam de meu intimo e de meu amor pelo Senhor. Não queira me ganhar com sua retórica. – interrompeu o rapaz.

- será que posso continuar minha partilha sem ser interrompido?! – desabafou o demônio.

- Vá em frente, ser de perfeição inigualável! – falou o rapaz caçoando dele.

- Obrigado pelo elogio! Continuando: nas Escrituras só vejo você tentando pegar o que alivia seu medo ou justifica sua máscara. Morrer pelo crucificado hoje em dia é piada, pois sempre está a sobrepor sua opinião e querer próprio, seu modo de ser, enfim, seus interesses, matando a muitos que lhe cercam. Respeitar o ser humano você o faz por pena ou covardia. Se o humano não lhe serve por pobreza, seve por soberba. Gosto de seu respeito passivo. Amar os pobres é pura demagogia, quando eles te louvam ou mesmo quando seu status de riqueza e poder é sobre eles influência, dialética de proximidade e distância. Admiro sua tentativa fracassada de cumprir mandamentos, mas, sejamos sinceros, sua cercania ao homem da cruz é para não deixar seu coração, infartado pela sociedade de consumo, perecer ao relento. E esse seu discurso da primazia do amor, seria um ótimo titulo de livro como analgésico das consciências feridas pelo progresso irreversível da destruição do que vocês chamam raça humana.

- Deus é amor! O amor tudo vence, transforma, reconstrói; e por isso te destrói! – atiçou o rapaz ao diabo.

- pobrezinho de meu menino! Eu feri seu coração com minhas palavras sinceras, foi?! Vou tentar não ser tão vil em minha exposição de você mesmo. O amor, meu caro, virou utopia de pará-choque de caminhão:        “ SÓ O AMOR LIBERTA”. O desejo nos dias de hoje é apenas iguaria de consumo, o slogan da liberdade. O amor é sexo que mora no olhar e goza nas entranhas de uma paixão instintiva. Não pense que o amor esteja com essa bola toda. Essa tal primazia é tão somente luta de classes. Ninguém quer morrer por amor, antídoto das massas desenganadas. Esse homem, essa mulher, repetem muitos ventrículos vazios, tem muito amor. Vocês humanos são tão medíocres que acreditam que o amor é prosperidade, felicidade exterior, paz externa, ter seu canto, privacidade. O amor, menino guru, é gozo e vaidade. Aliás, sou apaixonado pela definição que se forjou nessa sociedade pela qual escorrega sua existência, ao longo do tempo, da palavra amor e que, por sua vez, não se faz propaganda de massa dessa descoberta antropológica: “o amor é o mais alto nível do individualismo contemporâneo.” Esse amor que leva à passividade e ao comodismo das rezas e dos sacramentos; do louvor e da adoração de si mesmo em nome de Deus. Esse amor, que vocês usam cotidianamente, é meu selo imprimido em seus corações; são minhas trevas em fachos fascinantes de luz. Isso sem entrar na dimensão ética que temos até uma consigna que concorre a titulo jargão universal: “cada um no seu quadrado”. Uma premissa perfeita. Imagine você, um quadradinho entre outros quadradinhos pensando ser uma comunidade perfeita unida em todos os ângulos, entretanto, cada quadrado é sua própria Ilha, onde a única realidade visível, existente e necessária é seu Umbigo. Se vivo fosse Wittgenstein, estaria impressionado com este Imperativo Categórico.  

- não é verdade! O amor é todo liberdade! Esvazia-nos para se encher de Deus e transformar a sociedade. O amor regula as normas sociais. O amor resgata a moralidade. O amor é Deus. – o rapaz levantou a voz com convicção.

- Seu Senhor usava comparações para instruir as massas. Permita-me usar uma metáfora para instrui-lo. Veja: uma mulher e um homem vestiram-se  de justiça para ir a um baile beneficente. Quando voltaram do compromisso cristão e social, tiraram a roupa e caíram as pelancas de suas injustiças e corrupções. Menino, por esse amor, vestido dessa forma como você diz, veste-se tanto a Igreja quanto a Sociedade, cada uma com sua Verdade. No fundo, tudo não passa de vaidade, pois essa luta é pura pusilanimidade.

- porém, você não está levando em conta em seu discurso sofista o ser de Deus que suscita constantemente anunciadores do verdadeiro amor que Jesus pregou com sua própria vida entregue na cruz. – falou de modo a fazer um parêntesis no dizer do demônio.

O diabo esboçou um sorriso descrente.

- não quero ser tão duro, mas se eu dissesse a você que boa parte destes anunciadores mártires e santos foram meus fiéis seguidores até a morte?! Não é tão difícil transformar um coração, cheio de boas intenções, em uma bomba relógio de si mesmo. Não pretendo citar nomes, porém, é certo que os gurus que guiaram e tem guiado uma parcela do rebanho está dentro das especificidades de um verdadeiro anunciador de Deus. Estão no altar reverenciado, devido ao poder econômico associado a uma boa consulta cientifica de sua santidade.  Alguns não conseguiram essa proeza de subir aos altares; confesso que não foi culpa minha, pois eles mesmos decidiram assumir a perda de si mesmos em troca de um punhado de humanos desgraciados pela opressão e injustiça de outros irmãos contemporâneos. Esses eu os perdi para Deus. Descobriram a essência do seguimento: amar é perder-se aos semelhantes esquecidos.

- você me fez recordar as palavras de um apostolo. Tudo considerei como perda para ganhar a Cristo. Bem, você é tolo, porque Deus haverá de resgatar novamente seu povo eleito. A esperança foi derramada em nossos corações.

O demônio cruzou as pernas, baixou a cabeça e soluçava de tanto rir. Levantou e fez gestos cênicos para expressar seu discurso.

- O sol se abriu e cuspiu dos seus primeiros raios anjos de resgate; as estrelas se jogaram sobre a terra e se transformaram em profetas! Deus, então, de seu posto onipotente, transformou seus anjos e todas as pedras em Filhos-Messias e os enviou à todos os confins da terra; foram derrotados e tiveram o mesmo destino do Prometido às gerações desde os Hebreus: foram crucificados e pela mídia humana revestidos em bens de consumo propagandiados e etiquetados com o carimbo da fé que salva e liberta. Alguns Messias viveram por um tempo, pois eles se tornaram pico de audiência às empresas de telejornalismo conceituadas e preocupadas com o anúncio da Boa-Notícia. Quanto mais Ele aparecia, mais os patrocinadores ganhavam em nome dele.

- seu profetismo é ridículo. É prosa pra boi dormir! – desacreditou o rapaz.

- Menino, será que você não se dá conta de que Deus não é mais Deus por ele mesmo? Estamos na era do Deus-Consumo. Ele é aquilo que preciso e quero que seja. E quando não é, então, busco na prateleira um parecido ao que desejo ter e seguir. Esse Deus da cruz não é mais sinônimo de amor oblativo, nem de renúncia. A cruz virou slogan para magnatas dos negócios e, ao mesmo tempo, um elixir de sobrevivência para massas humanas em situação de miséria material e psicológica.

- Você, seu demônio maldito está tentando minha existência desejosa de Deus, que é único e não se vence com suas proposições de morte.

- não seja ingrato! Eu estou aqui tentando elucidar o que foi sua existência até gora e você vem com pedras na mão para me assassinar? – o diabo percebera que em outro quarto em algum lugar do planeta alguém lhe chamava. – Preciso ir. Deixe de ser tolo e engula que é em meu nome que sua vida triangula. Não exijo nada de você; aliás, permito que você exija dos demais com medida superior a que você gostaria que fosse medido. Convenhamos: Para quê transportar espíritos de uma só vez para outro lugar, quando posso administra-los aqui mesmo, onde o corpo e alma se fundem e se destroem? Não fuja mais! Seus interesses egoístas e utopia sou eu, superficialidade e profundidade de seu ser. Antes de ouvir algo de sua parte e também de partir, vou tomar um cafezinho. Eu mesmo vou preparar, não se preocupe, meu intimo amigo.

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