sábado, 27 de agosto de 2011

PALAVRA, NÃO SE VÁ!




Não se vá, por favor, deixe-me dizê-la.
Fique um pouco mais; irei te dissecar.
Imiscuir-me em tuas vontades, desejos.
Não se vá, permita-me saber de mim.

Ande, faça-me rir das lúcidas entranhas.
Quão estranho são os novelos da alma.
Quão destrutivo o medo de mi’a nudez.
Venha, faça-me perder infértil timidez.

Seduza-me a ponto de ir aonde tu fores.
Conduza-me mudo ante tuas revelações.
Olhar alumbrado por teus dizeres de si.
Um louco entregue às formas de teu ser.

No segredo e no silêncio te teces em mim
A caneta e o papel conspiram contra nós
Não é só pra mim que te decifras todinha,
Não ligo, me tens, vem dizer-se em mim.

domingo, 21 de agosto de 2011

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CONSAGRA-ME




Consagro-me...

A ti, meu Senhor, luz da humanidade.
Procuro sementes do verbo no mundo;
Na descrença dos valores do teu Reino.
Consagro-me à tua amizade, Senhor.

Olhar as relações com o olhar de teu amor.
Abraçar as dores humanas co’ tua misericórdia.
Nunca desistir do outro em qualquer situação.
Amar profundamente como tu amas Senhor.

Jardins sem flores nos corações sofredores,
Sorrisos ausentes das faces oprimidas,
Pés calejados, sem forças ao passo seguinte,
Torna-me esperança na desesperança cotidiana.

Entrego-te Senhor, minha capacidade de amar.
Ofereço-te Senhor, meu peregrinar perseverante.
Dou-te meus medos, minha dúvidas, fraquezas.
Toma Senhor meu grito, meu silêncio, sussurros...

Dedicar-me , meu Senhor, aos pecadores
Ser todo, sem reservas, aos mais fracos
Dispor-me a acolher, sarar suas feridas
Consagro meus sonhos ao teu sonhar.

Consagra-me...

sábado, 20 de agosto de 2011

O POETA E AS LETRAS



Literalmente mumificou-se em seus pensamentos. Martinha chamou-lhe para o chá da tarde, mas em vão. Martinha, contrariando o desejo dele, pôs a bandeja com o chá na cama e ensaiou uma tosse seca para avisá-lo de sua ousadia. Completamente ramificado na cadeira do escritório. Recordemos que todas as tardes punha-se a escrever crônicas em sua escrivaninha ladeado por dois castiçais que acendia religiosamente antes da aventura do encontro com as letras. Não teve coragem de acordar as chamas; algo o questionava seriamente. Nem as letras, nem Martinha, nem a tela do computador.
O quarto era rústico. Uma cama num canto, uma escrivaninha, o computador, canetas e papéis, dois par de sapatos, um chinelo, alguns pares de meia, cuecas, duas calças, cinco camisas...Tinha muito. A vida pode ser boa com tanta coisa? Ainda que todo seu amor estivesse nas letras que lhe tinham pleno em seus mistérios, ele ainda se perguntava pela relação de posse das coisas e a felicidade.  Desligou o computador e decidiu apelar para a folha de papel e a caneta. Quem sabe assim, esse isolamento infértil lhe abandonasse. Deu algumas voltas pelo quarto. Abriu a janela. A noite chegava, enquanto o entardecer nem se despediu dele. Permaneceu procurando lá fora as letras que não vieram lhe ver. Vamos ser sinceros. Na verdade, ele buscava a si mesmo na escuridão e suas tonalidades. Disparou a rir da liberdade das letras. Não eram escravas de sua vontade. Nem mesmo prisioneiras da ciência, pois em sua cabeça havia métodos científicos próprios para domar a escrita.
Martinha entrou no quarto e acendeu as velas tentando dar uma força extra à inspiração de seu Senhor. Ele a encarou acompanhando a atitude dela. Viu que ela deixou cair uma letra sobre o papel. Mas não quis dar o braço a torcer. Não foi ao seu encontro. Ficou na janela à procura de algo que lhe sacudisse esse vazio. No fundo, ele sabia que sempre a tinta de sua caneta e o impulso de seus dedos a desfilar no teclado foi a liberdade. Nenhuma letra nos chega por imposição; nenhuma letra se rasga por pura inclinação de um desejo insano e suas algemas.
Havia terminado o dia e começado a noite. No umbral das estrelas, dos desejos e fantasias noturnas a máscara do homem caiu; o determinismo, a loucura de se achar dono das letras, a soberba de um gladiador diante de suas vítimas deixaram o espírito do poeta e, então, as demais letras vieram se juntar à letra deixada no papel por Martinha. E a lua vestiu-se de sol, as estrelas pareciam andorinhas ao entardecer, a escuridão tão clara como o ventre dos lampiões e o poeta, contemplando a nudez das letras que lhe despiam, se fez palavra, verbo conjugado, poesia...

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

JOÃO







João Fraco.
Vida parca.
Folha amarela.
Alma descama.

João Triste.
Vida meneia.
Corda bamba.
Alma depressiva.

João Faminto.
Vida desnutrida.
Olhar pedinte.
Alma míngua.

João Sedento.
Vida rachada.
Fonte Vazia.
Alma estéril.

João Solitário.
Vida vagueia.
Rua sem rumo.
Alma incógnita.

João Sonolento.
Vida adormece.
Corpo em prece.
Alma desfalecida.

João Vivo.
Vida suspira.
Jorram sonhos.
Alma Esperança.