terça-feira, 14 de junho de 2011

ANJO MAL - 1 cap.

1 CAPITULO: 

ENCONTRO INESPERADO





Levantou os olhos e lá estava robusto, atlético e simpático, o pai da mentira. Quanto mais o rapaz esfregava os olhos, pensando ser ilusão, mais ele se tornava nítido às suas retinas. Ignorar sua presença seria principio de loucura. Era como se deixasse a alma derreter tal qual resina. Então, tomou coragem e começou a perscrutar seu aspecto humano contemporâneo, ou mais precisamente, o ser da imagem, sem falhas corporais e de alma limpa. Se não fosse aquele contexto de combate espiritual que se deu início entre as quatros paredes daquele inóspito e solitário quarto, ninguém acreditaria que ali naquele humanóide perfeito do século XXI e adjacências, estaria imprimido, de corpo e alma, o demônio, belzebu, diabo, encosto, coisa ruim, o maldito e demais adjetivos reinantes na tradição popular.
Assombrado, o rapaz procurou o crucifixo no intuito de afugentá-lo, porém não o encontrava. Nem mesmo o rosário da Virgem Maria. O demônio, então, dirigiu-lhe a palavra:
- jovem, perdeu seu Deus?  é esta cruz que você busca?
- em nome do Senhor Jesus e da Santa Imaculada Virgem Maria, vai embora! – gritou o rapaz, levantando a mão com firmeza.
- tão cedo?! Lamento comunicar que não posso! Seria ignorar tão bela batalha a que me provocam suas orações.
- pois, então, deixarei de rezar para que sumas de imediato deste recinto.
- ainda assim, seria loucura deixar-me ludibriar por suas palavras.
- já que entrou sem minha permissão, o que você quer de mim?
- opa! Não me ofenda com suas palavras ao me chamar de intruso, pois eu vim ao ser chamado por seu nobre coração. – o demônio mantinha uma calma de causar inveja a qualquer mortal.
- mentiroso! Meu coração só aspirava e clamava por Deus.
- é verdade, você tem razão. Seu coração respira o Deus de seus interesses, protótipo de seu egoísmo, cada dia mais fácil de manipular, tendo em vista que você sempre pensa ser todo dele nas suas míseras atividades celestiais. Diga-me, menino de fé, se há lugar mais perfeito para esconder a mais vil crueza humana, do que as sombras do Todo Poderoso?! Em nome dele você justifica seus bens, ganância de ter mais sem escrúpulos em relação aos que não tem nada. Com Ele, o manancial, você ama quem é fiel e condena o infiel. Esse Deus virou casaco em corpos de muitos humanos medrosos, pusilânimes, sepulcros caiados; casaco feito do mais genuíno egoísmo. Você, meu caro jovem, busca a si mesmo sem nunca saber quem é de verdade, porque tudo isso de meu Deus é, na verdade, uma forma de esconder-se. Você é astuto!
As palavras do demônio deixaram o rapaz inquieto e desconcertado, pois começou a desconfiar, em seu intimo, que a argumentação do diabo poderia ter uma fundamentação lógica e racional acerca do que tinha sido até agora o percurso de sua jornada existencial. O demônio, que sempre se aproveita dos reflexos do coração, fez uma intervenção imediatamente:
- que tal iniciar esse nosso encontro tão deslumbrante com essa sua desconfiança que paira em seu ego existencial tal como pairava o Espírito de Deus sobre a água fluvial?
- que desconfiança? – o rapaz tentou enrolar o diabo.
- não me faça de tolo! – pontuou o demônio.
- você lê pensamentos? – disse, curioso e com ironia, o jovem.
- pensamentos, poesias, Best-sellers, diários e, até mesmo, a Bíblia, testamento de seu Deus.
Atordoado, o rapaz alcançou a garrafa térmica e preparou um cafezinho para si. Desejava ganhar tempo para organizar as idéias a fim de tentar defender-se das artimanhas do demônio. O diabo aproveitou sua disponibilidade e bom gosto:
- o meu café com pouco açúcar, por favor, pois necessito controlar o colesterol. Melhor, eu quero sem açúcar. Ah, e não se preocupe em ganhar tempo comigo, pois darei o tempo suficiente para que você tenha ordenada sua razão. Fique à vontade, pois tenho parte na ação e controle do tempo.
Era real, estava ali; não havia como negar sua presença e existência. A imagem de demônio que havia construído era um ser insuportável de se relacionar ou aproximar-se. Entretanto, ele aparentava simpatia, apesar de sua ironia. Talvez, ele devesse se levantar e sair como se não tivesse acontecido nada. Porém, se sua vida realmente era o que o demônio afirmava ser, saindo dali não poderia resolver isso a limpo. O diabo continuaria a ser o seu Senhor, de forma discreta e proveitosa para ele mesmo. O rapaz pensava em atitudes simples como a forma de olhar as pessoas, o carinho interessado, a caridade egocêntrica, o amor maquiado. Veio em sua mente uma leve reflexão sobre o ser ali na sua presença. As pessoas pregavam sua existência como o ser visível, destruidor de vidas, arruinador de felicidades, enfim, quando tudo está mal é porque o demônio tem as rédeas da carruagem. Porém, ninguém quase não levava a sério quando tudo parece está bem, desconfiar de que este bem é as trevas em forma de luz. Bom exemplo disso era o momento presente, pois ele mesmo se sentia feliz e realizado em sua busca de Deus e, no entanto, era sem consistência e enganosa. “Transformar o negativo e o medo em possibilidade de ser melhor; debilidades são setas a nos indicar nossos pontos de crescimento e plenitude”. Ouvira alguém proclamar e guardara para si estas palavras. Se nada é por acaso e tudo tem um porquê, precisava confrontar este trecho do caminho, mais precisamente, do seu andar.   

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