segunda-feira, 20 de junho de 2011

A SENHORA E A CARTA





Havia passado o tempo, mas o encanto não a abandonara. Ele a esperava. Que roupa usaria para o dia de hoje. Ele era muito exigente com ela. Observava todos os detalhes. Ela tinha consciência disso; por isso cuidava meticulosamente de seu corpo marcado pelo tempo.
O pente passando no cabelo era como o rastelo puxando a terra para a plantação. Sempre trazia as recordações da colheita passada. O Espelho era seu confidente. Contemplava-o com temor, pois ele lhe dizia as desventuras de sua vida.  Amarrou o cabelo e pôs o véu. Escondera os segredos desvelados. Mas ele não ia gostar de vê-la assim escondida em si mesma. A senhora tirou o véu e foi ao cabeleireiro tinturar os cabelos. Voltaram pintados e cacheados. Não! Precisa ser ela mesma. Ele não aceitaria toda essa maquiagem de sua verdadeira imagem. Pegou novamente o pente e recobrou sua imagem primeira.
A parte mais complicada. Escolher a roupa mais adequada para o momento. Sapatos, calcinha, sutiã, saia, blusa. A cor e o estilo. Ai como é difícil, suspirava. Olhou para o relógio e desesperou-se ao ver que lhe restava pouco tempo. Azul com salto, branca com renda, vestido longo verde, em vez de saia e blusa. O batom, meu Jesus, quase esquecia. Foi novamente diante do temido espelho. Vermelho, tinha que ser vermelho. Cor do desejo, da paixão, do amor.
A senhora estava pronta para o encontro. Foi até o pequeno surdo-mudo ao lado da cama e retirou a carta. Pôs entre o sutiã e os seios. Dirigiu-se até a janela e debruçou-se sobre ela; nesse instante, o sol se despedia no horizonte. Lágrimas bateram no alpendre da janela e se precipitaram no desejo de trazer o sol de volta. A Senhora passou a mão nos lábios deixando marcas de batom no rosto. Fechou a janela; tirou a roupa; guardou a carta. Vestiu-se da solidão novamente.

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