terça-feira, 17 de maio de 2011

O PEIXE E A SECA


"Sejais fortes nas tribulações e perseverantes na oração"
 Rm 12


O riacho continha muitas espécies de peixes. Era um lugar bonito. Tranquilo. As águas claras revelavam a beleza do fundo. Os peixes coloridos iam e vinham majestosos. A vida acontecia como em qualquer outro ambiente. A maré subia e descia como de costume. O riacho tinha seus altos e baixos. Os peixes deviam estar atentos para seguir o curso da maré cotidianamente a fim de estender suas existências. Mas num belo dia - havia tempos que não acontecia naquela parte do riacho - um caso inédito se sucedeu. Ficaria registrado na memória do riacho como exemplo a ser seguido pelos demais habitantes; a ser contado sempre em qualquer época.  

Não conseguira acompanhar o curso das águas. Ficou isolado, sozinho ante a visão dos demais peixes. O peixe debatia-se apavorado na terra úmida do rio. Tentava sofregamente continuar respirando. As águas do riacho tinham descido e ele não conseguira ser rápido o suficiente para descer com elas. Era apenas mais um que todos os anos ficava ilhado. Certamente morreria como todos os demais que chegam a esse ponto. Seus olhos doíam só na possibilidade de ali mesmo sucumbir. Mas seu espírito era valente. Apesar do medo e da dor, manteve-se corajoso em não se entregar facilmente àquela realidade que agora estava exposto.

Os demais peixes, que já estavam acostumados àquela cena, de longe observavam o sofrimento do peixinho que teimava manter-se vivo a todo custo. A ousadia do peixinho ilhado chamou a atenção deles. Nada, porém, podiam fazer, pois além das águas terem baixado bastante, não iriam arriscar suas vidas. Naquele momento, afirmava-se com orgulho, a vida dependia única e exclusivamente do peixe. Ninguém mais a poderia prolongar senão a própria luta do peixinho encalhado. Para que tanto esforço, ele não vai conseguir mesmo! Com isso só prolonga seu sofrimento, diziam os mais pessimistas.

- As águas voltarão logo! - O peixinho repetia estas palavras como um mantra em seu coração angustiado o peixinho. Ele estava apreensivo, mas esperançoso. Seu corpo ia secando progressivamente devido à escassez de água. Porém, relutava bravamente para se manter firme até que retornassem as águas. Os outros peixes, cansados de verem tamanha angústia vã, seguiram seus caminhos lamentando a vida do peixinho que não agüentaria por muito tempo. Logo desistiria, morreria. Aliás, já tinha lutado o bastante. Por aquele gesto de coragem, era tido como um herói, pois muitos no baixar das águas, morriam ilhados em poucos instantes. Foram-se tristes seus companheiros, semelhantes.
O peixinho persistiu acreditando por mais que lhe dissessem o contrário, as águas ausentes e os demais peixes que seguiram seu rumo. Não permitiria que sua realidade apagasse seu desejo de viver. Elas não lhe diriam quando morrer. Sua escolha era respirar, viver. Suas guelras, por onde respirava, continha areia tamanho o esforço desprendido. A noite chegava. A cada instante tornava-se mais difícil a situação do peixinho. Com a noite veio um sereno, uma leve chuva que lhe molhou o corpo e lavou as guelras. O peixinho sentia-se animado. Contemplou de novo as águas doces do riacho. A esperança e a persistência. A teimosia em manter-se vivo fez com que o peixinho reencontrasse, por não desistir, as águas matutinas.

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