segunda-feira, 23 de maio de 2011

NUDEZ DA ÁGUIA



Cansada de muitas caças. Exausta de muitos voos. O peso das plumas, triunfo de quedas mortíferas para seus adversários, exigiam renovação. O vento, por mais que sacudisse suas intimidades, nunca decifraram seu ser. O fascínio das penas mantinha o mistério de tão grandioso e temido ser.
As alturas cegaram, com o tempo, sua capacidade de discernir o interior das penas. Vivia apenas de sua especialidade de ver longe a fragilidade de outros seres. Perdera o fio de sua história que levar-lhe-ia a abraçar sua fraqueza, fonte de sua própria força e riqueza, nudez de sua alma, células que não se corrompem nas agruras do espaço e do tempo. Precisava vencer o medo de ver-se sem as estridentes garras afiadas. Reconhecer que o exterior já não era extensão de sua interioridade e vice-versa. Tinha que fazer o percurso rumo ao seu íntimo e renovar-se, encontrar-se face a face com suas debilidades. Havia se esquecido de ir tirando aquilo que a impedia de ser mais veloz e perspicaz e agora suas penas e seus olhares a descaracterizavam.  
Subira o monte, cume da razão vinculada à latejante terra. Pousara sobre os dois ápices (controversos para alguns) da existência: Razão e Coração. Seu bico inquisidor lançara-se sobre a estética de tão belas plumas que cobriam seu corpo; plumas carregadas de muitas vivências. Aqueles talos, cheios de pequenos fios harmoniosos, abandonavam o corpo da ave e desciam os muros da imponente montanha, levadas pelo vento. Puxados pela raiz num ato de extrema coragem em ir ao mais profundo de si. Não era abandono de sua história, mais posse de sua existência.
A dor era intensa. O bico seguia firme seu intento. O olhar da ave adentrava o interior nunca visto, visitado, conquistado. O olhar perscrutava cada contorno da nudez revelada. A fraqueza, signo de dor, curava a cegueira das alturas e o corpo desnudo da potente Águia, lentamente reconstruía as plumas interiores, a força escondida, misteriosa, que a dor proporcionava. O silêncio da Montanha, o sussurro do vento e as garras cravadas nas rochas eram sinônimos da luta por compreender a raiz de cada pena, arrancada e lançada ao abismo; de encontrar o manancial de cada gota de sangue escorrida. Não havia gritos, senão poros abertos a decifrar o genes de plumas desfeitas.
A águia estava no início e, ao mesmo tempo, no auge do sentido de sua existência; da razão de ser de seus voos instintivos. Seu olhar se inclinou novamente sobre si e percorreu, atenta e perscrutadora, os poros desnudos. A nudez que contemplavam seus olhos afiados era como se pela primeira soubesse exatamente o que era ser Águia.

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