domingo, 17 de abril de 2011

REAPARIÇÃO DO ANJO - IX capitulo de Asas de Deus

IX CAPÍTULO



O noivado de Araújo foi algo simples. Ele mesmo desejou ser celebrado no Café Betelho. Homero e Rose, amiga de Araújo, eram os padrinhos.  Homero seguia sua vida dividindo-se entre a especialização e a dedicação às lágrimas de Deus, como ele mesmo se referia ao falar do trabalho na favela. Sempre ia nas missas e nas pregações dos pastores evangélicos para conhecer suas convicções a respeito do Criador e de seu Filho, Jesus Cristo. Porém, sempre saía desolado, pois as lágrimas de Deus eram apenas falas demagógicas para manter o poder e cifras para aumentar suas rendas. Tinha desistido de sua súplica a Deus. Contentava-se em conhecer as lágrimas.
Nesses dias, preparava uma viagem a São Paulo para  participar de um encontro de medicina. Estava empolgado com a viagem, pois era muito importante para sua carreira como médico. Passou na casa do compadre Araújo para pedir-lhe que o substituísse no trabalho voluntário da favela. Araújo aproveitou para pedir algumas sugestões acerca do casamento. Na volta, Homero passou no Café Betelho. O garçom, seu amigo, sabendo que pedia sempre a mesma coisa, dirigiu-se logo para a balcão. Trouxe-lhe um cafezinho.
- Aqui está senhor Homero, seu cafezinho.
- Obrigado Romão. Você sempre com sua intuição aguçada.
- De nada, senhor. Aqui estamos para isso.
Enquanto servia a Homero, o noticiário tratava da violência nas favelas.
- É seu Homero, Deus criou o ser humano e o humano se auto-destruindo. Deus deve estar desolado com isso. Será que já não passou da hora do Juízo Final? - o garçom puxou conversa, já que o Café Betelho estava vazio nesse dia.
- Pois é... Esse Deus que criou o humano, não sei onde estará. É algo tão complicado sabe?! A gente pensa que Ele está e de repente a sensação de que nunca esteve. Eu penso que Ele já arquivou  esse processo do Juízo Final e nos deixou à mercê do caos. - Homero estava bem cansado e falou mais para se livrar do incomodo do garçom do que responder satisfatoriamente ao questionamento.
O pobre do garçom ficou mais confuso que mula tonta. Saiu pensando se os pecados dele tinham sido esquecidos já que o processo do Juízo Final fora arquivado por Deus. Homero continuou pensando sobre o assunto. Sabia que existia a imagem de Deus que pregavam as religiões. Entretanto, a face real do Criador não tinha esperanças de que ainda era possível conhecer. Ele conhecia suas lágrimas; estava de bom tamanho. Ah, sim, conhecia também o anjo de Deus. Então, levantou, pagou a conta e caminhou a sua casa, quando o celular toca. Era Carol desesperada dizendo que Araújo tivera um enfarto. Homero saiu apressado para lá. Quando  chegou, Araújo já estava morto. Ao lado do corpo estava o anjo. Viu que não era Rafael e sim um anjo que acompanha os mortos. Tentou se segurar, mas a raiva o dominou:
- Você não podia fazer isso! Era meu melhor amigo! Você não tinha o direito!- apontou o dedo para o anjo - Que Deus é esse que nos tira as pessoas que amamos? Porque não o tocou como fez com a mulher no hospital, cadê Rafael nessas horas? Porque não cuidou dele? Porque tinha que ser logo o anjo maldito que leva as almas, porquê? 
- Homero, acalme-se. Venha tomar um chá venha! - Carol viu seu escândalo sem entender nada e o retirou do quarto de Araújo.
- Tudo bem. Perdão, mas é que é duro para mim aceitar isso!
- Para todos nós está sendo difícil, Homero! - disse Carol – Araújo, antes de expirar me disse que tinha um anjo ao lado dele que o confortava e lhe dava segurança. Creio que estava começando a ter alucinações. Porém, seu rosto nõ era de tristeza. Havia um brilho em seu olhar que me impressionou. Continuou falando da presença do anjo e me disse que você gostaria de estar ali com ele e  o anjo. Pediu um papel e escreveu algo para você. Logo depois disso, expirou. Tome! É seu!
Homero pegou o bilhete e abriu: “ Deus se mostrará pleno a você...é a promessa do anjo que me põem nos braços. Teu irmão,Araújo que te ama”.
Homero saiu para o quintal entre soluços e lágrimas. O anjo o aguardava sentado embaixo do pé de cajueiro.
- Entendo sua dor! O Pai já o acolheu e creio que se você visse o quanto Araújo está irradiante em encontrar-se na presença de Deus, você choraria, mas de alegria e contentamento.
- Não! Você não entende minha dor! Quem é você? Se é o anjo que acompanha os mortos, leve-me então. Porque fica brincando de levar quem eu mais amo?
- Não sou eu quem determina o fim da existência neste planeta, nem qualquer outro anjo que acompanha os que aqui já concluíram sua permanência. Desde que aconteceu aquele fato com sua namorada, Lúcia, que tenho acompanhado junto com outros anjos seu itinerário humano. Você havia suplicado conhecer a face de Deus e eu fui enviado a você para leva-lo a conhecer o Santo, Santo, todo Santo! Todas estas tragédias não aconteceram simplesmente por minha presença junto a você, como pensa. Eles acontecem todos os dias. Faz parte da condição humana de vocês, seres capazes de escolher com liberdade, até mesmo de renunciar a seu Criador e Senhor. Entretanto, Homero, tenho a impressão de que você está pronto para conhecer e saborear a face de Deus, pois já tem intimidade suficiente com as lágrimas do Criador. Eu me chamo Miguel e continuamente bebo da Presença do Inteiramente Outro, O Santo, Santo, Santo! Aqui estou para ajudá-lo a compreender a existência humana e, consequentemente, encontrar-se frente a frente com a Face de Deus
- Poxa, Arcanjo Miguel, fico até com vergonha pelos insultos que lhe dirigi. Perdão, irmão!  - falou com reverência ao anjo, pois compreendeu que estava só descarregando sua dor no anjo.
- Você repetiu as mesmas palavras do garoto que atirou em sua namorada antes de morrer. É um perdão sincero que pede. - sentenciou o anjo.
- Peraí...então vai me levar justamente quando começamos a nos entender? - brincou Homero.
O rapaz que servia o cafezinho observava Homero de longe que parecia fazer uma prece, porque dava a impressão que conversava sozinho. Decidiu levar um cafezinho para ele. O anjo ficou contemplando o jeito dele tomar o café e disse que quando Homero chegasse no seio de Deus a alma dele teria sabor café pela forma como degustava o líquido. Homero riu tanto que quase se engasga com o café.
- Homero! - disse o anjo ao seu coração.
- Diga.... - Homero fez como se desejasse ouvir do anjo seu nome.
- Miguel, o arcanjo de Deus! - o anjo respondeu solenemente.
- Ok. Eu queria ouvir da sua boca seu nome, pois é doce aos ouvidos.
- falando nisso, amei sua pesquisa sobre anjos.
- Então não me enganei. Você realmente estava ali. Por acaso, estava na cadeira de balanço?
- Sim, estava. Homero, preciso que agora você conclua o que sempre buscou, ou seja, encontrar-se face a face com Deus. Muitos dos que aqui ainda vivem já o viram e de sua face se alimentam cotidianamente aguardando subir definitivamente para contempla-lo como os anjos a todo momento, saboreando da grandeza de adorar face a face seu Criador e Senhor.
- Tudo bem. Mas o que eu tenho que fazer? Ah, sim , tem um porém! Por favor, se tiver que presenciar mais perdas de entes queridos é melhor me dizer agora ou nada feito.
- Certo. Dou-te minha palavra que nesse caminho não presenciará tais tragédias humanas. Se tiver que acontecer, creio que não vai suceder, direi com antecedência.
- Ufa! Obrigado! Mas que seja com 48 horas de antecedência?
- Tudo bem. Então, lembra-se de sua viagem a São Paulo na próxima semana?
- Sim, lembro. Mas com a morte de meu amigo, não quero me ausentar por agora.
- Pois é justamente isso. Vai precisar se ausentar. Quero que vá caminhando até lá, sem levar nada, somente confiando na bondade e na misericórdia divina. Cuide das lágrimas de Deus que encontrar no caminho. Chegando lá verás Deus, face a face. 
- Não levar nada, significa nada, nada?
- Nada, nada! Só a confiança em teu Criador.
- Caramba! Caminhar sozinho, que dureza!
- Eu estarei sempre caminhando com você.
- Sim, mas você não tem necessidades, não dorme, não come...
- Então, quer que eu fique?
- Não! Estava brincando!
- Ok. Nos vemos na segunda às 8:00 em frente à Catedral junto aos mendigos que ficam na praça  e que pedem esmola na saída; de lá sairemos.
- Tudo bem. Que Deus nos acompanhe! - finalizou Homero.
No decorrer da semana esteve dando apoio à família de Araújo ainda muito abalada com sua morte. Voltava para casa rindo das recordações que tinha do seu grande amigo. Carregava no peito esquerdo o bilhete que escrevera antes de morrer. O anjo Michael pela manhã era visto no hospital; pela tarde na praça junto aos mendigos e á noite demorava-se um pouco no quarto de Homero até à madrugada e voltava para junto de Deus.

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