sábado, 16 de abril de 2011

MÉDICO ALÉM-FRONTEIRAS - VIII capitulo de Asas de Deus

VIII CAPITULO




Já fazia algum tempo da perda de sua querida Lúcia, a prisão, a aparição do anjo e as consequencias disso, como bem já sabemos. Não demoraria para ser médico. A faculdade chegava ao fim. Araújo, seu companheiro de faculdade e melhor amigo, estava empolgado com a formatura que estava chegando e, ao mesmo tempo, animado no namoro com Carol. Homero tinha ganhado gosto pelo curso e, inclusive, tinha planos de retornar à África, onde foi fazer alguns trabalhos humanitários. Não sei se foi movido pela história do anjo, mas o fato é que esteve na África servindo aos mais desgraçados do mundo. Desde aqueles acontecimentos havia mudado muito. Até mesmo Araújo dizia que Homero mudou da água para vinho e uma vez disse à namorada que ele guardava como relíquia e bússola para sua vida umas palavras ditas por Homero certa vez a ele. “A maior beleza da vida, Araújo, é olhar o mundo e a si mesmo com olhos de carinho e compreensão.” Araújo vivia essas palavras com muita dedicação e eram para ele uma consigna. Homero havia conhecido Araújo nos tempos em que participava de grupos de Igreja. Araújo sempre foi um confessor para ele. Eram cúmplices.
A formatura foi linda. Araújo e Homero estavam hiper felizes. Depois de toda a festa, Araújo foi deixar a namorada e depois saiu com Homero para o Café Betelho que ainda estava aberto. O garçom, conhecido dos dois, parabenizou os novos médicos e disse, em tom de brincadeira, que agora poderia enfermar-se. Homero pediu um cafezinho, nunca perdia a mania, e Araújo começou com um suco de laranja.
- E agora, irmão Araújo, que vai fazer de sua vida? - Homero puxou conversa.
- Rapaz, ainda não sei bem. Fui convidado para trabalhar no Hospital da Concórdia, no Pará. Porém, Carol tem planos de casar este ano. Assim, ficaria impedido de viajar para outro Estado.
- Hum... é o amor, que mexe com minha cabeça me deixando assim. - Homero cantou a música de um cantor sertanejo.
- É rapaz, o amor mexeu mesmo comigo. Culpa sua que me apresentou a ela. Aliás, foi nesse mesmo lugar que ao amor me rendi.
Homero lembrou de Lúcia. Também foi ali que se conheceram e se apaixonaram. Para disfarçar as lágrimas, foi ao banheiro. Porém, Araújo sabia bem o motivo. Quando retornou, Araújo mudou de assunto.
- E você, jovem médico além fronteiras, que vai fazer da vida?
- Meu querido irmão, tenho alguns planos.
- Posso saber que planos são esses?
- Pode sim. Pretendo fazer especialização e retornar para a África. Em nenhum lugar do planeta me sinto mais necessário do que ali, ainda que lá eu seja um grãozinho quase inútil diante de tanta dor.
- E a história do anjo que você tinha me contado tempos atrás? Por acaso, ele falou do segredo do Criador? - Araújo expressou com um misto de seriedade e ironia.
- Pois é... - Homero demorou alguns instantes neste pensamento – depois que ele me conduziu à África não mais apareceu.
- E como foi essa história mesmo Homero? - quis saber Araújo que nunca entendeu direito a história do anjo.
- Irmão, esse bendito anjo – sorriu – entrou em minha vida quando eu a perdia. Foi na morte de Lúcia. Depois na morte de outras pessoas que eu sem pedir, também entraram em minha vida. Depois, no meu inferno lá na prisão, ele esteve presente. Demorei para perceber e entender o que significavam essas aparições. Um dia, entramos numa favela com um grupo de voluntários para realizar exames e outros procedimentos médicos. Algumas mães apareceram com crianças desnutridas e algumas desfiguradas. Elas me diziam em particular que um anjo as mandou me procurar. Nessa época, já aceitava a loucura de acreditar que um anjo tentava me dizer alguma coisa. Lembro que ainda tinham umas cinco crianças para atender e a equipe queria ir embora. Insisti para que terminássemos o atendimento por respeito a elas que esperaram muito, quase toda a tarde para serem atendidas.
- E eles ficaram para atender? - quis saber Araújo.
- Não. Mas eu fiquei! - Homero respondeu em alto tom - Era como se o anjo tivesse pegado em minha mão e me impedido de ir com eles. Eu fui atendendo, enquanto as mães me enchiam de elogios. Então, uma criança gritou para a mãe dizendo que um anjo queria coloca-la nos braços. A mãe, a principio, acolheu aquelas palavras pensando ser alucinações devido à febre alta. Eu senti um calafrio. A história estava se repetindo. O anjo a estava levando. Quando a criança inclinou a cabeça, a mãe, em desespero, gritava, suplicava ao anjo maldito que trouxesse de volta seu filho. E ficou insultando o suposto anjo até desmaiar. Estava socorrendo a mãe, e de repente, todas as outras crianças começaram a reclamar dizendo, uma atrás da outra, que um anjo as colocavam nos braços. Estava anunciada a catástrofe. As mães amaldiçoaram a Deus pela desgraça acontecida ali. Muitas diziam que as crianças foram envenenadas. Sei que depois da confusão, nem sei como não me lincharam, eu fui para a casa de um senhor da favela. Pela primeira vez, eu vi o anjo debruçado sobre a janela da casinha que dava para ver quase todas as casas embaixo, sem que ele sumisse de minha vista. Quando entrei, ele nem se virou, continuou na mesma posição. Não queria dizer ao senhor, mas pedi que fechasse a janela. Ele me disse que já tinha tentado fechá-la, porém, o vento abria com violência. Sei que nessa hora, o anjo olhou-me com um olhar dócil e firme. Eu me espantei. O senhor que me acolhia em sua casa percebeu e perguntou se eu tinha visto alma.
- Credo, Homero, parece história de horror. Até eu me arrepiei aqui. - Araújo interrompeu, assombrado - Garçom, uma cerveja, por favor. Continue Homero!  Araújo estava compenetrado na história de Homero.
- Então, o senhor me ofereceu um cafezinho. O anjo vez ou outra retornava seu olhar para mim. Ele perguntou se eu estava com medo de algo, pois ficava só olhando para a janela. Respondi que era porque gostava da vista que se tinha ali da janela. Seu Tico, como era conhecido por lá, pediu licença para ir comprar pó de café, pois faltava na casa. Ficamos nós dois, eu e o anjo. Antes de sair, seu Tico perguntou se eu não me importava de ficar só por alguns momentos ao que respondi que não tinha problema. Depois que ele saiu, fui até a janela. De um lado o anjo e do outro lá estava eu buscando encontrar seu olhar perdido nas casas que ele observava. Depois de um instante de silêncio, enfim, sua voz ecoou em minha alma. Falou dos momentos em que esteve próximo a mim sem explicar-se e me disse que Deus se faz presença na vida daquelas crianças da mesma forma em que resplandece nas milhões de outras vidas na África. Chamou-me pelo nome, Homero, e disse que nos encontraríamos em breve lá na África. Nessa hora, a porta da casa se abriu e eu virei o rosto para ver quem era e quando voltei o olhar o anjo já não estava. Seu Tico preparou o cafezinho que foi regado por um bom papo sobre a realidade da favela.
- Mas o anjo disse que vocês se veriam na África. Ele apareceu? Depois, quer dizer que a face de Deus são os mais miseráveis deste mundo? - quis saber Araújo.
- Não, meu caro amigo, os miseráveis deste mundo não são a face de Deus!  Os miseráveis deste mundo são as lágrimas de Deus. O anjo me deixou lá sozinho com as lágrimas do Criador.
- Então, você deu viagem perdida, pois ficou sem encontrar a face de Deus que tanto pediu ao próprio, ou seja, o anjo lhe deu um bolo.
- Não sei. Creio que ele quis que eu primeiro conhecesse profundamente suas lágrimas que hoje são também lágrimas minhas.
- E agora, então, desistiu de continuar sua busca?
- Parei um pouco. Eu fui a Roma buscar ajuda de um amigo que é especialista em angelologia. Conversamos muito. Ele me partilhou de suas crenças nos anjos. Porém, confessou-me insistindo que eu não gravasse ou espalhasse o que iria dizer.
- E o que ele confessou? Vamos ver adivinho. Será que ele partilhou que o Papa não crer em anjos? - Homero riu.
- Antes fosse, meu irmão. Ele me disse que em Roma os anjos não existem, pois os próprios embaixadores de Cristo se sentem como anjos de si mesmos.
- Nossa Homero, que critica forte! Esse homem está pondo a cabeça na guilhotina caso fosse público isso que ele falou.
- Pois é. Mas eu continuou crendo na força do profetismo que os anjos impulsionam em muitos humanos desejosos de um mundo mais justo e fraterno. As lágrimas de Deus me confortam e me lançam a crer nos anjos e a continuar deixando-me guiar por eles na busca da Face de Deus.
- Que loucura Homero! Espero que tenha sorte e case com uma psiquiatra que entenda de psicóticos que veem anjos.
- Engraçadinho! Deixe de bobagem e brindemos nossa vida e nossa amizade! - sugeriu Homero levantando o copo.
- Brindemos ao meu padrinho de casamento! - Araújo quis surpreender.
- Nossa! Obrigado pelo convite.
- Não é um convite. É uma intimação. 
- Tudo bem. Apresentar-me-ei no tempo devido.

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