sexta-feira, 15 de abril de 2011

CRIANÇA MULHER - VI capitulo de Asas de Deus


VI CAPÍTULO




Homero saiu com o carro para visitar um amigo num interior próximo, Caldeirão, uns 50 kilômetros de distância de sua cidade. Tinha saído às 17:00 logo depois da faculdade. No caminho, parou para abastecer e tomar um cafezinho num posto de gasolina. Abasteceu e encostou o carro próximo a um caminhão que provavelmente estava lá para pernoitar como fazem muitos outros caminhoneiros que levam carga a outros estados.
- Um café, por favor! - acenou ao atendente da lanchonete.
- Um menorzinho, senhor? - contestou o rapaz.
- Não! Quero um grande, seu zé mané! - a forma como Homero se dirigiu ao rapaz não o deixou muito feliz em atendê-lo.
- Mas só temos menorzinhos. - disse secamente.
- Então, me dê cinco menorzinhos; melhor, oito menorzinhos e um para viagem. 
- Certo senhor, um momento! - o atendente se sentiu humilhado e ridicularizado pela atitude de Homero. E como resposta trouxe tal qual como pediu Homero, os oito menorzinhos e um embalado para viagem.
- São dois reais e cinquentas centavos. Dinheiro ou cartão?! - o rapaz disse com ironia. Agora estava com a alma lavada. Tantos caminheiros passam por ali e um forasteiro num carrinho querer tirar sua moral. Só mesmo na cabeça do gringo, pensava o atendente. Homero saiu resmungando, mas levou todos os cafezinhos para degustar no carro.
Baixou o vidro e esperou tomar os cafezinhos na bandeja que foi oferecida pelo rapaz insolente, como xingava em sua mente. De repente, no seu vidro, do outro lado, apareceu uma criança olhando-o. Pensou logo que fosse um anjo. Estava tão ensimesmado com essas aparições repentinas que pensava logo ser algo do além. Olhou de novo e a menina tinha sumido. Voltou o olhar para tomar mais um cafezinho, era o quarto, a criança apareceu de supetão em sua frente. Homero levou um susto que derramou os cafezinhos em sua roupa. Sorte que não estavam quentes.
- Desculpe, senhor, não foi minha intenção. Posso limpar e fazer um abatimento. - a menina falou aproximando a mão da virilha de Homero.
- Ops, não minha filha, deixa que eu limpo. O que você quer?
- Vamos brincar de amar? É dez reais, mas eu faço por cinco para compensar meu desastre com sua roupa...
- E meus cafezinhos, né! Porém, não quero! Quantos anos você? E cadê seus pais?
- Tenho 9 anos, mas vou completar 10 próxima semana. Não sei quem são eles. Tem uma pessoa que cuida de mim, mas não liga que eu esteja na rua, pois eu sempre volto com dinheiro para eles. Vamos fazer?
- Você é um anjo e quer me provar né? - pensou Homero em desmascarar o anjo. 
- Não, mas o senhor quer que me passe de anjinho para você? - disse, inocente a criança.
Homero olhou de um lado e do outro para ver se via alguém. A criança se alegrou por que pensava que ele investigava se estava sendo observado por alguém do posto.
- Se não quer aqui a gente podemos ir para outro lugar? -sugeriu a criança.
- Creio que o arcanjo Miguel está de olho. Espero que não aconteça uma desgraça com você, pois cansei de ver pessoas dizerem que tem anjos perto delas querendo levá-las.
- Não! Eu sou dona de mim mesma! Ninguém está de olho em nós. - sem entender nada, a criança ia respondendo a Homero. O anjo estava em pé em cima da carga do caminhão, mas Homero não podia vê-lo.
- Qual seu nome menina? - inquiriu Homero.
- Catariny com ipisolon. Vi num filme porno. É bunitu né?
- E seu nome de verdade? - insistiu Homero.
- Não sei, mas tenho um apelido; é Fofa! Eu gosto dele, porque é um nome doce.
- Verdade, é um nome lindo, fofa! Veja Fofa, não posso fazer programa com você, pois é uma criança. E você deveria denunciar essas pessoas que supostamente cuidam de você, porque elas só estão fazendo é mal a você. Entre aqui e vamos à polícia denunciá-los e se não tiver como sobreviver eu arranjo moradia para você e cuido para que cresça de outro modo, mais sadio e próprio para sua idade, que é a escola. Que tal, você tem coragem?
- Minha vida sempre foi um anonimato. O valor que tenho é ser desejo de animais que me devoram para que eu possa sobreviver.
- Mas você pode ter valor sem esse modo mesquinho dos homens de lhe valorizar! - Homero continuava a persuadi-la para que fosse à polícia denunciar  seu algoz que a usava para a prostituição.
- Nossa senhor, parece um sonho que me oferece. Eu não tenho nada a perder mesmo, vamos! - disse a criança.
Quando a menina ia se preparando para entrar no carro, dois policiais apareceram repentinamente e deram voz de prisão a Homero por corrupção de menores. De longe o denunciante observava, era o mesmo atendente que se sentiu ofendido por Homero. Enquanto ia sendo algemado, ele tentou explicar que estava justamente indo para a delegacia denunciar a exploração sexual daquela criança. Porém, nada conseguiu. Todo o percurso até a delegacia foi insultado pelos soldados. A criança ia em silêncio. Chegando a delegacia, a criança contou que ele estava tentando convencê-la a fazer sexo com ele por cinco reais e ela disse que não, mas ele seguiu insistindo e ela para se livrar dele derramou o café em sua calça.
- Você será uma linda boneca nas mãos de seus companheiros de cela, seu animal! - bracejaram os policiais.
- Por favor, criança, fale a verdade, por favor, não deixe que cometam uma injustiça, por favor! - Homero se desesperou vendo a gravidade da situação.
A criança permaneceu em silêncio. Aprendera bem com seu algoz a manipular situações a seu favor. O caso teve grande repercussão na sociedade. Araújo visitava sempre seu amigo e confiava que Homero tinha sido injustiçado. Buscou ajuda dos melhores advogados que conhecia para defender Homero. Porém, isso não impediu que Homero permanecesse um bom tempo recolhido na penitenciária. Recebeu uma condenação de cinco de anos de reclusão. Foi violentado várias vezes pelos presos com a conveniência dos agentes penitenciários. O anjo Miguel esteve ao lado dele dentro da cadeia e não permitia que perdesse a razão e se suicidasse. Homero não o via, somente uma vez foi lhe permitido ver, saber que tinha uma presença junto dele. Mesmo sem confiar muito, sempre se dirigia a ele ora para rezar, ora para descarregar sua raiva contra Deus e outras vezes, ainda, para suplicar justiça. Lembrou da história da menina contando de sua experiência com o anjo da guarda.
Naquele mundo vivia a escória da humanidade como diziam os carcereiros. Algumas vezes Homero viu anjos por toda a parte naquele lugar. Entretanto, pensou realmente estar louco, pois anjos não visitam o inferno. Um dia quando sentiu muitas dores devido à violação sexual que sofrera, sentiu que anjo lhe cuidava. Ainda teve forças para perguntar o nome dele.
- Quem é você?
- Sou Rafael!
- Porque não posso lhe vê?
- No momento, é importante que saibas que estou aqui. O arcanjo Miguel está sempre aqui com você.
- quero vê-lo!
- No momento oportuno irá vê-lo!
Homero não podia ver, mas sabia que em sua cela muitos anjos eram hóspedes. Nos dias de tomar sol, Homero fez muitos presos crerem que tinham um Anjo da Guarda. Um dia, um condenado por vários assassinatos, veio procurá-lo para dizer que o Anjo da Guarda o impediu que cometesse suicídio em sua cela. Agradeceu a Homero e disse que quando saísse dedicar-se-ia a resgatar vidas. Homero disse a ele que não precisaria esperar. Ali mesmo poderia começar sua missão.  
Nesse ínterim, Araújo investigava a vida da criança. Com muita habilidade e astúcia, conseguiu convencer a criança a denunciar seu algoz, como quis Homero, e o caso foi reaberto depois de dois anos. O Tribunal inocentou Homero e condenou o verdadeiro culpado. Depois soube que o culpado havia se convertido na prisão por outro preso, outrora vingador de crianças violadas. A criança, logo que terminou o julgamento, quis ver Homero e conversar com ele. Ele ainda tentou fugir desse reencontro, mas a criança apareceu de repente, como da primeira vez. Ele ficou imóvel sem saber discernir que sentimentos lhe dominavam, se ódio ou compaixão.
- Senhor, queria pedir perdão pelo meu erro...
- Está perdoada. Pode ir. - Homero não conseguia ouvi-la. Descobriu que era ódio o que sentia. Mas ficou para ouvi-la.
- Eu nunca soube o que era amor de verdade. Nunca ninguém rejeitou o meu corpo. Porém, nunca tinha sentido o carinho e cuidado verdadeiro de alguém por mim como depois percebi em você. Eu sempre fui violada e isso arrancou de mim qualquer sentido de injustiça ou justiça, bem ou mal. Mas agora, sei que foi injusta minha atitude com você. O anjo de Deus que está perto de você, foi esse  aí que  me fez pensar tudo e me salvou de muitas outras coisas. Ontem, sonhei com o anjo que me fez prometer transmitir a mensagem que me sussurrou ao ouvido. Na verdade, está aqui de novo ao meu lado e repete a mesma mensagem de ontem: Deus se mostrará pleno a você...
- Por favor, não deixe que ele a leve. - Homero pressentiu o pior.
Araújo viu aquela situação, mas pensou que Homero ainda estava perturbado com as violências que sofreu na prisão.
- ...É a promessa  do anjo que me põem nos braços. - completou Fofa.
           Os guardas a levaram. Homero ficou surpreso que ela não morrera ali como aconteceu como as outras pessoas quando carregada nos braços pelo anjo. Na saída do Tribunal, Fofa foi atingida por um bala que levou sua vida no mesmo instante. A correria foi geral. O algoz havia sacado de um revólver que conseguiu tirar do policial que o conduzia e atirou em Fofa.

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