terça-feira, 15 de março de 2011

A CASA E A MÚSICA




Tapete de folhas secas. O lodo inundava o lago que circundava a Casa. Os pássaros de outrora, cantantes na cumeeira desapareceram ou então, não se ouvia mais sua cantoria. Era uma Casa condenada ao esquecimento pelo bosque onde fora construída. Tinha desejos suicidas. Pedia um vento forte, tão forte que fosse capaz de lança-la ao chão. Apenas um tapete de folhas secas.    

Demorou um tempo presa às folhas ressequidas que se misturavam ao lodo. Qual o ser vivente, algum dia em sua vida, em suas retinas só se delineavam lodos e folhas secas, impedindo-o de ir além dessa paisagem assombrosa que avançava na conquista e destruição de sua esperança? O lodo subia paulatinamente as paredes. É como um sonho que vai perdendo o encanto. Ou um broto entristecido com suas pétalas mortas. A Casa não tinha porque desejar embelezar-se, pois ninguém a esperava.

Uma Música branda vinha de longe e cortava a frieza das folhas e penetrava por entre o lodo até alcançar as brechas que davam acesso ao interior da Casa. Tão penetrante e cortante que despertou o brilho escondido e esquecido no canto da Casa. Por um instante, ela ganhou vida e cor, sabores os mais diversos. Nesse suspiro de tempo, a Casa sentiu-se visitada e animada, recobrou a memória de sua origem, quando ainda esteve nos sonhos do Engenheiro. E a Música se foi. Também a memória a deixou. O lodo e as folhas secas permaneceram como donas da Casa.

Mas a Casa vez ou outra recordava a música e tinha saudades dela. Apesar da realidade do lodo e das folhas secas que cada vez mais danificavam as estruturas da habitação, ela ainda mantinha a vela acessa – a única luz – da esperança. A Música que lhe visitou relembrando sua beleza e o encanto que possuía tornou-se o refúgio em tempos de angústia mortal. Ela sabia da força que a Música exercia sobre sua situação, pois enfraquecia o poder destruidor do lodo e das folhas secas.

Era um dia frio. A brisa cobria o bosque. Tinha rachaduras em uma das extremidades da Casa. A Música fez-se ouvir ao longe, como antes. Ela esperou que novamente invadisse sua casa e restaurasse, ao menos, os sonhos que tinha guardados no porão do coração. Mas a Música não veio. Então, no dia seguinte, de novo a Música fez-se escutar, mas da mesma forma, não apareceu. Na terceira vez do dia posterior, um sapo pulou do fundo do lago, rompendo o lodo e pôs-se diante da Casa. Ela intuiu que precisava cooperar com o som que se deixou degustar e, imediatamente, correu para varrer o piso, soprar as paredes, escancarar o mais que pudesse a porta de entrada e, assim como o sapo, pôs-se em atitude de espera confiante, enfrentando a presença do logo e das folhas que ali continuavam.

Passados três dias de espera, o sapo continuava lá, a Casa mantinha sua esperança atenta e vigilante. A brisa passou, o vento passeou, o sereno abraçou o bosque. Por fim, a Música rompeu a madrugada, esquivou-se por entre as folhas secas semeando formosas roseiras e embebeu a Casa de melodias deslumbrantes. O sapo voltou ao fundo do lago recitando a Música e a Casa voltou a ser um Lar aconchegante e seguro. Sempre que contemplava as rosas que nasceram entre as folhas secas e vigiava o lodo que tentava tomar de conta de seu espaço, a Casa reafirmava sua origem e em seu interior a Música voltava a ecoar.   

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