quarta-feira, 16 de março de 2011

PERFUME FUNDANTE


Todas as manhãs os seres são embebidos, em seus contornos mais profundos, do Perfume mais sublime entre todos os boticários. É uma ação natural e gratuita ao qual nenhum ser está de fora. A brisa, o ar, o vento são sensíveis à passagem do Perfume e, acima de tudo, são os primeiros a perceberem no alvorecer. Depois veem os pássaros, as copas das árvores... e por fim, alguns seres humanos conseguem e acolhem a unção do Perfume sobre a totalidade de seu ser. Entretanto, sobre todos igualmente, o Perfume alcança as profundidades oceânicas do coração.

Desde as entranhas, os olhares de alguns humanos transformavam-se no olfato da alma ao acolherem a Fragrância exalada por todas as dimensões de sua existência. Era como o estalo que amanhecia dentro das trevas do espírito clamando e no-lo chamando à vida. A Fragrância animava e dava o norte dos passos do ser despertado. Tais olhares eram capazes de identificar as sutilezas do frasco de cada manhã. Fazia parte inerente ao Perfume as infinitas fragrâncias que a percepção humana era capaz de abstrair no voo matutino de seu existir. Desde as entranhas, nascer assim a cada manhã gratuita, trazia paz ao coração, mesmo em tempos de guerra durante o restante da manhã, ao longo da tarde e na noite, onde as estrelas e a Lua parecem não ter esperado pela ceia.

Mas, entre os humanos, haviam os distraídos que não conseguiam perceber o Perfume em suas vidas desde o alvorecer. Não reconheciam o olor que se dissipava pelos poros. Parecia como se em seus narizes houvesse uma grande pedra impedindo que tivessem a experiência do olfato. Ou então, preocupados em inspirar tantas outras iguarias insossas, não criaram a capacidade – era quase impossível – de identificar a Fragrância do Perfume que lhes visitava todas as manhãs. Um lago límpido e transparente aonde durante várias décadas vai se acumulando lixo, dificilmente a imagem dos peixes e das algas mais profundas será possível de vislumbrar. Talvez, mesmo mergulhando, ainda assim se terá dificuldade. Seria preciso todo um processo de limpeza dos arredores do lago até alcançar a pureza de suas profundezas.

Além disso, há outros ainda, aqueles que em vez de reconhecerem Fragrância de Perfume, reclamam insistentemente contra os odores em sua alma. Logo cedo amanhecem incomodados. São tantos os fenômenos que dá para fazer Osmologia dessas intervenções no coração dos seres afetados. Não conseguem encontrar paz e saem afirmando que ela não existe. Resmungam quase que ininterruptamente dos abscessos que se formam na epiderme de suas existências. Negam qualquer possibilidade de ter um Perfume que lhes visite inerente ao seu querer e, o mais absurdo, que possa preencher todas as camadas de seu existir com infinitas fragrâncias.

Perfume Fundante. Como os pássaros, as copas das árvores, os grilos no mato, o coachar dos sapos, também nós, seres humanos, podemos viver sob o signo matutino do Perfume que nos visita e nos convida a viver das sutilezas das fragrâncias que exalam de sua intimidade. O medo do escuro – violência contra a Luz – os fantasmas que pairam sobre as incertezas, inverdades perdem o poder de nos lançar, ainda vivos, em covas abertas. Se parece tão distante de ti, existir um Perfume Fundante que nos faz existir em intensidade e plenitude todas as manhãs, e em teu íntimo desejas sentir as fragrâncias desse Perfume, não hesita em pedir insistente para que o coração se abra em gratuidade a esse amor, dom gratuito.   

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