quarta-feira, 6 de abril de 2011

ELEMENTO COESOR

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U
m mesmo céu e uma mesma terra. Os olhares distraídos pela beleza do céu viviam atentos aos acontecimentos na terra. Havia diferenças entre a espessura do tronco e uma pluralidade infinita de cores e das formas das árvores; mas todos se acolhiam mutuamente. O elemento que dava coesidade era a estatura média das árvores de cinco metros, variando um metro ou dois no máximo em relação às demais. Na época de frutos, estes eram compartilhados entre aqueles que tinham as árvores mais raquíticas. O equilíbrio era mantido por essa fraternidade das árvores mais frutíferas com as mais fragilizadas.

Uma árvore começou a crescer acima da estatura média. No início todos a elogiavam por sua proeza. Mas, um dia, as pequenas árvores ao seu redor amargaram a sombra de seus galhos crescidos. À época dos frutos, a grande árvore que havia crescido para além do limite não compartilhou seus frutos. As pequenas árvores, necessitadas, viviam de alguns frutos podres que caíam, pois a árvore grande retinha os melhores frutos para si. Não demoraria muito para que outras árvores invejassem a posição da grande árvore sem levar em conta o crime que era cometido por ela.

O desejo de grandeza cegou muitos corações. Em pouco tempo, apareceram outras árvores enormes. Não compartilharam seus frutos e nem seus conhecimentos. Quebraram a Aliança da Fraternidade. A distância entre elas e as pequenas árvores ia crescendo. Perdiam-se entre a contemplação estéril de si mesmas e a contagem quase paranóica das estrelas que apareciam no céu. Entre elas se fez um complô proibindo que deixassem cair frutos de boa qualidade. Assim Deus quis que fôssemos escolhidas para está mais próximas de seu firmamento, afirmavam em sua teologia. O que mais incomodava eram as raízes das pequenas árvores tentando se expandir por cima ou por baixo das raízes delas. Mas, sem piedade, eram sufocadas.

Começou a carnificina. As árvores que não tiveram uma boa floração e não produziam o suficiente para a sobrevivência definhavam paulatinamente. A árvore grande alegrou-se com a morte das primeiras árvores, pois cediam espaço ao seu crescimento. Houve festa entre as grandes árvores quando outras pequenas árvores também pereceram. No período das chuvas, elas absorviam boa parte das águas. Algumas gotas escorriam de suas folhas robustas, molhando a garganta das débeis árvores. Na copa das enormes árvores reinava a luxúria e a abundância. E logo, o que era apenas distância vertical, ganhou dimensões horizontais.

O desequilíbrio entre as árvores fez com que se rompessem as águas do grande reservatório; o bosque foi se engasgando com o volume das águas que subiam. Houve dor e desespero das pequenas árvores entregues à própria sorte.  Na Esperança de que fossem ouvidas, algumas árvores gritaram às grandes árvores que viessem socorrê-las. O que escutaram foi o eco de vozes fúnebres. As menores árvores, entre as menores, foram as primeiras vítimas. Esqueceram sua própria história e a água era a única realidade possível em que se reconheciam.

A água do “dilúvio” subia à proporção de um centímetro por ano. As pequenas árvores viam nesse acontecimento apenas o contar dos dias de sua existência. Por outro lado, isso não afetava as enormes árvores e seus saborosos frutos, pois só conseguiam olhar para as nuvens, sonhando com a exuberância e em como crescer sempre mais ao encontro do céu, indiferentes às árvores pequenas que morrem afogadas na lama dos delitos causados por elas, gigantescas árvores. Tão pouco, caem na conta de que suas raízes também estão imersas nas mesmas terras subterrâneas das quais derivam todos os seres.  

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