quarta-feira, 20 de abril de 2011

CRATERA NO CAMINHO




Havia uma Cratera tomando a extensão da estrada. À beira dela iam se agrupando andarilhos. Uns mortos; outros gravemente feridos jaziam no seu interior. Comportavam das mais diversas e estranhas formas possíveis diante da Cratera. Mas ninguém se arriscava a transpô-la por medo, desânimo e outras crendices.
Um casal. O homem era alto, terno e gravata azul, pasta na mão, ia para o trabalho e a mulher, com o filho no colo mamando, ia para o posto de saúde. Eles chegaram a este ponto da estrada. Sentaram. Olharam para trás e decidiram ficar por ali conformados com o que já tinham percorrido; não tinham mais o que viver. Aliás, até tinham, mas a Cratera lhes impunha um limite. A aposta da existência chegara ao fim. Esperariam, passivos, o fim de seus dias diante da Cratera, do obstáculo à sua frente.
Um jovem matemático. Em pé, observava toda a dimensão da Cratera e calculou, demoradamente, como poderia fazer para atravessá-la. Esbarrou nos custos de tal empreendimento e logo desistiu. Também ele olhou para trás e chorou amargamente o término precoce de sua caminhada. Tão jovem e com um futuro brilhante pela frente, desabafava. Logo atrás, ainda distante do local, ouvia-se o choro e lamento de uma jovem que, antes mesmo de ver o ocorrido, sofria a moléstia que a atingiria. Por outro lado, teve um que mesmo vendo toda a movimentação diante da Cratera, continuou seu caminho, dizendo para si mesmo que era uma miragem e que jamais isto aconteceria com ele. Não preciso falar de seu fim.
Para citar só mais dois casos entre milhares, houve um humano que pulou - desesperançado e angustiado – imprimindo nos demais, a imagem de seu olhar melancólico de quem já tinha morrido há mais tempo. Por fim, relato o caso de um senhor de meia idade que chegando junto à Cratera, assombrou-se com sua profundidade e enfartou ali mesmo à beira da Cratera. Não demorou para visualizar uma fileira de cadáveres à beira da Cratera.  
O mais surpreendente foi quando erigiram um altar à Grande Cratera. Criaram regras, condutas éticas, Comércio que tinha grande demanda. A situação estática da vida, ausência de vida que se lhes descortinava diante da Cratera, na Cratera era o principal motivo da nova religião, tendo como lema: “Para ela viemos. Ela nos supera em tamanho e extensão e nela permaneceremos. Transpô-la é loucura e devaneio de insensatos”. Esta era a regra máxima da nova religião. O tédio tinha que ser preenchido e naquele momento era o que tinha de melhor. Angustiados, depressivos e tantos outros aderiram. Se da Cratera ouviam-se gritos, diziam ser ela reclamando oferendas e sacrifícios. Havia uma multidão que vivia nas proximidades da Cratera. Mesmo sem nela terem caído por ela foram envolvidos na escuridão. Cair na Cratera era destino e graça, assim explicaram as quedas e os suicídios.
Os dias corriam sem muita novidade na vida em torno da Totalmente Outra e intransponível. A ausência de ânimo e coragem chegou num nível tão alto que sempre que se aproximava um andarilho, logo era convencido da impossibilidade de seguir à frente. Entretanto, entre os muitos andarilhos que chegavam diariamente ao Templo da Cratera - a aglomeração ganhou status de Templo – Um andarilho não se curvou, nem aceitou a condição dos que viviam daquele modo. Insistiu que precisava continuar caminhando. Sua vida era caminho. Parar era descanso, nunca conformação. Levantou a bandeira que regia sua existência. E de muitas maneiras tentaram convencê-lo do contrário; enquanto descansava, vários iam ao seu encontro falando e pregando a superioridade da Grande Cratera.
Certo dia, porém, reposto de suas energias, o andarilho contemplou a todos. Olhou a Cratera. Virou-se para trás. Refez o caminho no saudoso olhar. Ouviu os gritos dos que haviam caído ou se jogado na Cratera e ainda agonizavam. Por fim, sentiu a brisa vindoura do outro lado acariciando-lhe a face, enchendo-lhe de coragem e ânimo. Apesar de toda a gritaria que tentava, em vão, persuadi-lo a não tentar ultrapassar a Cratera, afirmando que ele deveria aceitar essa situação da existência, aproximou-se da Cratera lançou um olhar decidido para o seu interior e começou a descer, escalando calmamente e com muito cuidado para não cair. Sumiu nas trevas da Cratera. As pessoas resmungavam que ele tinha sido avisado do perigo e não era culpa nem das pessoas, nem da Cratera. Oravam para que a Cratera tivesse misericórdia da petulância do andarilho em querer enfrentá-la.
Dois dias depois, um grito. A agitação tomou conta da multidão alvoroçada. Do lado extremo, terminava o homem a escalada. Com ele, estava uma mulher que ele havia convencido da brisa que ela experimentaria caso o acompanhasse. Eles olhavam, cheios de compaixão, a multidão do outro lado, pois a maioria gritava dizendo ser o demônio que tomara conta dele e a mulher era apenas miragem para iludir os corações de que do outro lado era possível relacionar-se, continuar existindo. Ainda esperaram algum vivente desejar atravessar, mas precisavam continuar o caminho.
Estavam a alguns metros de distância da Cratera e ouviram os sons de uma voz gritante na madrugada. Retornaram esperançosos. Uma jovem perguntava como conseguiram tal façanha. O casal sabia que a jovem poderia ser a janela para convencer os outros a vencerem o obstáculo, a vencerem a força destruidora da Cratera. Olharam-se. O homem recebeu da mulher um meneio de confirmação. Então, ele começou demonstrando a estreita relação que há entre o vento, o caminho e a vida. Depois falou da Cratera como desafio a ser transposta, e nunca ser vista como condição do fim. Daquele tipo de Cratera haveria muitas a transpor, a conhecer; deixou uma mensagem para ela, enfim, para as pessoas refletirem:
Parar supõe em algum momento ter se movimentado. Movimentar-se supõe lugares novos a cada passo dado mesmo os mais antigos, pois nunca serão os mesmos. Parar é uma condição da caminhada, nunca seu destino. A vida, a fé, a felicidade está no caminho, na caminhad. Ela se renova a cada parada, a cada Cratera transposta. Olhar para trás, ver o caminho e debulhar os segredos. Olhar para frente, caminhar sonhando com o Horizonte.

Seguiram viagem. Confiados na intuição de que os olhos devem estar sempre postos no horizonte que nos desafia e nunca presos no caminho com suas Crateras que deveria nos fortalecer e não nos limitar.

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