domingo, 3 de abril de 2011

LÚCIA CONVALESCENTE - II capítulo Asas de Deus


II CAPITULO






Homero dividia-se entre a faculdade e o hospital. Lúcia aspirava cuidados. Nesta semana completam seis meses de namoro. Se estivesse recuperada iriam ao Café Betelho, um bar café, para comemorar mais um mês juntos como sempre fazia desde o primeiro mês. Lúcia era uma jovem de fé e corajosa. Havia um brilho de vida que encantava as pessoas ao seu redor. Dava grande apoio a Homero nos momentos críticos da vida dele. Dizia que ela era seu sexto sentido. Sentado ao seu lado, lembrava dos bons momentos que viveram. Seu olhar embebia-se de amor quando se encontrava com os dela. Sempre que ela pedia que escrevesse poesias curtas para ela degustar, ele não resistia.
- Amor, diz letras escaneadas em tua alma poética! - pedia Lúcia com tanto dengo que era impossível a Homero negar-lhe, ainda mais nessa situação.
- Você venceu.  Mas para cada tema ganho um beijo triplo.
- Tudo bem. – Lúcia sorriu levemente.
- Que tema propõe?
- O milagre de Deus lá na ambulância. – falou convicta.
Esse assunto inquietou a alma de Homero. Tentou esquecer aquele episódio por muito tempo, pois tinha pesadelos. Não queria crer que houvesse alguma ligação entre sua súplica a Deus e o caso da ambulância.
- Ah, amor, diga outro tema.
- Não! Comecemos por este. - insistiu Lúcia.
- Tudo bem!
 “ Tua mão, ó anjo de luz, acolhe o coração palpitante de seres agonizantes e restabelece a alma que se despedia do corpo, cúmplice e amante. Dar-te-ei, como sinal de gratidão, o meu coração ornado de diamante. Tua mão, ó anjo de luz, meu olhar reluz”.
- Ah, amor. Obrigada! Amei. Você me mata assim.
- Você que me mata. Fico aqui louco buscando palavras à altura de sua alma. - ela riu.
- Perdão! - sugeriu o próximo tema.
- Está perdoada!
- Não! Estou dizendo o próximo tema: perdão!
“ Cicatrizes, marcas meretrícias, faz o espírito constituir milícia. O corpo demarcado em trincheiras, nuvens traiçoeiras. O olhar ferido, ódio estourado nas pupilas. Perdão! Perdão, bem longe, essas letras gritam desesperadas sua salvação. Porém, suplicam em vão. Já não há o que una o vagão. Não há perdão!” - seu olhar rugia.
- Nossa, amor. Será  ainda pelo adolescente que seu coração esperneia? Saiba que foi ele quem pediu ao anjo que estava ao lado dele que tocasse minhas dores. Mas tenho certeza que quando conhecer a face verdadeira de Deus, teus versos terão outros sabores que não seja esse amargo que sentes.
Homero a contemplou longamente com inspeção. Ele nunca tinha contado a ela de sua prece a Deus. Entretanto, ela falava como se soubesse pormenorizadamente assim como sucedeu com o garoto da ambulância. Nesse momento, uma enfermeira interveio em seus pensamentos.
- Senhor, temos que realizar alguns exames. Pedimos sua colaboração para que saia agora. Ela ficará bem, não se preocupe.
Homero apertou a mão de Lúcia e retirou-se. Ficou no corredor um tempo ainda. Olhava quantos enfermos estavam à mercê de atendimento. Ouviu gritos no fim do corredor onde estava um senhor com um tiro nas costelas. Dirigiu-se para lá. Estava morto e seu ente querido chorava sobre o corpo, resmungando contra Deus, o assassino e o mundo. A moça virou-se para Homero que tinha se aproximado e sacudiu seu braço:
- O meu avô foi levado por um anjo, senhor. Mande ele trazer meu avô de voltar, manda, manda! Se ele trouxer, Deus se mostrará pleno a você! Vamos, senhor, peça ao anjo para trazê-lo de volta, manda! – a adolescente suplicava desesperada.
Homero puxou violentamente seu braço. Só podia ser um pesadelo. Lembrou novamente de sua prece. Foi por conhecer um mundo corrompido e o comércio aquecido com slogans contendo o nome de Deus que o impulsionou a rezar daquela forma tão suplicante. Era uma apunhalada ao coração de crente em Deus. Não pensava continuar sua existência mantendo essa imagem de Deus. Sem dúvida, que era um bom marketing de Deus e muito rentável para qualquer franquia que usasse essa marca. Olhou de perto o rosto do idoso e dizia para si mesmo que era mais um que morria com imagens falsas de um Deus que pensou ser o elixir para suas dores e angústias. Claro que Homero tinha muitos conhecimentos teológicos, mas a vivência destruía tudo que sabia de Deus. Era preciso que Deus atendesse sua súplica para poder voltar a crer em Deus como experimentaram os padres do deserto. Pela terceira vez, a mesma mensagem que lhe levava à prece. Encostado na parede do hospital ficava imaginando tudo isso. A irmã de Lúcia apareceu na entrado do corredor; estava por lá para passar a noite com ela. Homero conversou um pouco com ela, tentando disfarçar sua perplexidade e foi para casa. Passou no Café Betelho e tomou um cafezinho, enquanto pensava nas palavras de Lúcia, “Mas quando conhecer a face verdadeira de Deus, teus versos terão outros sabores”.

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