terça-feira, 29 de março de 2011

O NOME DA FOLHA



Caía despreocupada, levada pelo vento, com o talo tranquilo, porque as asas seguiam o instinto do ar e almejavam alcançar o aroma da terra. As demais folhas que permaneceram junto dos galhos a saudavam com nostalgia. Nasceu no alvorecer. Viveu nos galhos intermediários da árvore, mas sempre teve um olhar que alcançava o horizonte, bem mais que as que se encontravam nos galhos mais altos. Porém, ninguém tinha ciúmes de sua posiçao, porque nunca guardou para si a beleza dos céus. 

No dia da despedida, as folhas bailaram uma coreografia diferente do usual; remexiam-se para cima e para baixo e logo mudavam de ângulo, para um lado e para o outro, harmoniosas; dessa vez, o vento subiu pelo tronco e as abraçou inesperadamente pelo talo de suas asas. Havia tempo em que não se surpreendiam com a Natureza. Lá embaixo, algumas folhas maduras, faziam pequenos movimentos, visitadas por uma brisa que passava fora de hora; as formigas, de longe, observavam, maravilhadas, o espetáculo de uma folha que caía.

Ao longo do caminho, a folha pensava na extasiante beleza de ter vivido na árvore por muito tempo; recordava as lindas coreografias que o vento lhe ensinou; iria ter saudades da brisa com seu beijo terno e gracioso deslizando os contornos de seu ser; ajudava a revigorar a clorofila de suas asas. A folha nem imagina que lá no chão também a brisa passeava. Iria ter saudades do céu, privilégio das folhas que vivem nos galhos mais altos e ela, que vivia no meio,  sempre compartilhava com as debaixo.

A folha caía levada pelo vento do entardecer. Se nasceu junto ao sol nascente, era natural partir ao sol poente. Ainda foi possível, vislumbrar pela última vez, os raios do sol que se despediram com um aceno vermelho no horizonte. Ela amava o amanhecer e sempre ansiava que chegasse logo o entardecer, pelo encanto desses dois astros que poucas vezes estiveram juntos, desde que se entende por folha.

A folha deslizou leve pela grama macia, que como tapete, embelezava o chão. Ali contemplou o céu com novo olhar; meditou a vida sob outro ângulo e agora, seu existir era um enigma que lhe  guardava surpresas; sentia o chão, porém, ainda não enxergava as estradas e suas nuances, pois seus olhos estavam fixos no céu, na saudade de seus amores, no amor das joaninhas, no abraço das flores, no seu espaço junto à árvore que iria cicatrizar e, como um baú, guardaria seus tesouros, os dias de sua existência ali vividos.

De manhã, bem cedo, foi acordada com o beijo de uma brisa e sua primeira visão de umas das estradas foi uma formiga, que sorridente, veio lhe convidar para um passeio; conheceu muitas estradas até a chegada ao formigueiro; ali, alimentou por uns dias, muitas outras formigas. A folha, que caiu, despreocupada, levada pelo vento, mudou seus hábitos, conheceu novas realidades e foi consumida; entretanto, em toda sua pequena existência, nunca mudou seu nome, sua essência. A folha se chamava Paz.  Entre as folhas que caem e as que brotam, não há uma só que não se recorde de Paz.


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