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Deparamo-nos com certas situações humanas e nos comportamos como meros observadores de um espetáculo. É o que está acontecendo agora nessa tarde de domingo num ponto da capital de Minas Gerais. Um espetáculo humano.
A mulher sentou duas cadeiras mais à frente onde eu repouso em companhia agradável de um amigo. O olhar inquieto dela passeia, gira - qual mosca esvoaçante - por todos os ângulos do recinto sem se fixar em coisa alguma, e, ao mesmo tempo, em tudo. Percebo seu espírito angustiado. Uma dor terrível habita em seu peito e atormenta suas pulsações. Anseia avidamente agarrar-se a qualquer coisa. Quer esquecer por segundos eternos as punhaladas que recebe seu respirar. Na verdade, tem vontade de aniquilar todo esse tormento da alma. Porém, não há sinais visíveis de janelas ou fagulha alguma de luz no final do túnel. Estava absorta em suas trevas. E se houvesse em cada um de nós um botão vermelho que bastaria acionar para a existência despedir-se deste mundo? Sorria com o espírito aliviado diante de pensamentos maléficos contra a própria vida.
Opa! Me distraí com essa descrição que terminei por esquecer de dar atenção a meu amigo; percebo que está um pouco sem jeito com minha postura de observador implacável do estrato humano. Eu e ele voltamos a conversar sobre assuntos diversos, mas um em especial, toma mais nossas falas. Resiliência. O ser humano é capaz de dar a volta por cima, mesmo em situações complexas de sua história. Eis a sentença que ele sugeriu. Ele está relatando fatos de pessoas conhecidas que superaram dramas e traumas quase insuperáveis. Uma prima dele lá do interior de Minas era exemplo disso. O filho pequeno dela morreu, de repente, acometido por uma doença rara. Ela conseguira dar a volta por cima de modo surpreendente. Ninguém acreditou. Alguns, mais incrédulos, afirmaram que ante a dor insuportável da perda precoce ela sofreu amnésia. Fiz memória, por minha vez, de um cachorro que havia sofrido sete atropelamentos de carro, moto, bicicleta, carrinho de rolimã e, creiam, até de carrinho de picolé. Tinha tudo para se trancar na casa de seu dono e viver o resto de sua vida aguardando o dia inesperado da ascensão do espírito à Morada Canina. Entretanto, pasmem, todos os dias ele tentava atravessar a rua. Aqui, novamente os mais incrédulos não poupam seus comentários ao afirmarem que não é pelo risco de viver, senão pela cadela que vive no outro lado da rua que ele se precipitava. Terminado as exemplificações de um e outro, decidimos pedir um prato de espaguete à bolonhesa. A vida é um ar que precisa ser soprado a todo instante para ganhar altitude, disse meu amigo, inaugurando outro assunto para tergiversarmos.
Desculpem não dá atenção à sentença de meu amigo, não é desprezo a ele e nem à proposição, mas é que a mulher acaba de se levantar da mesa e vem em nossa direção. Passou. Despencou numa cadeira ao lado da nossa. Não compreendia, mas essa mulher estava me deixando angustiado. Queria entender suas chagas, aquilo que roubara a labareda de ânimo de sua alma. Ela seguia com sua agitação. Gritava por algo que abrandasse a fúria de não-viver. Puxou um pouco o vestido, aguçou o olhar instintivo como uma leoa no cio. Eram lapsos que iam e viam. Instantes depois a vi com outro olhar na face. Do outro lado da rua havia um rapaz que parecia ser traficante. Ela se fixou nele. Suas pupilas almejaram lançar-se à loucura, à des-razão das drogas. O espaguete chegou. Há um nó na minha garganta, como um rio seco por causa da esperança represada nos submundos daquela alma.
Ela ergueu-se de supetão. Tomei um susto. Fez um meneio com a cabeça e sumiu na esquina. Acabou o espetáculo. Ela me provou, sem nenhum esforço, que eu sou um humano tão medíocre, incapaz de dar atenção a um grito de outro humano suplicando um olhar, uma palavra, um gesto que o motivasse seguir existindo.
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