sexta-feira, 2 de setembro de 2011

ENTRANHAS- I PARTE


A partir dessa semana, vamos iniciar com a história de um menino em peregrinação por suas estradas interiores. Caminho cheio de lobos ferozes (nossos medos), mas também com orquídeas belissimas (nossos dons e qualidades), além de outras surpresas que encontramos ao  caminhar com ele, permitindo-nos ir aonde vai seu espírito. 
Boa leitura!

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UM MENINO.
O CAMINHO.
DESEJO PROFUNDO 

MEDO LATENTE.
JORNADA FASCINANTE.

VIDA HUMANA.







I PARTE : MARGEM DO CAMINHO

Olhares teimosos. Não querem lançar-se à sombra da estrada que se alonga aos precipícios do horizonte. Pés traidores. Ensaiam passos largos à frente, porém, conscientes de que tão logo se aproxime o uivo dos lobos, debandarão amedrontados. Coração cismático. As pulsações violentas ameaçam pular fora de mim. Eis o retrato do menino que precisa pôr-se a caminho. Se simplesmente decide estacionar o desejo na margem da estrada, o corpo empedrará; a alma decantará sob a rispidez do caminho e, por fim, o sopro de vida extinguir-se-á.
Ânimo menino nessa estrada que dizem dormir os lobos mais ferozes e onde o mais bravo de todos os guerreiros teme ao pôr os pés nessa estrada. Não te permitas morrer sem ter tentado; sem ter gasto a sola das sandálias. Nem te deixes cair na chacota de ossos caídos ao chão. Não há como se esquivar. Ninguém mais pode percorrer esse trecho do caminho, a não ser tu mesmo. Os lobos que aí vivem só a ti cabe enfrentá-los. Há quem diga que passando por eles, não sem arranhões – é quase impossível – o peregrino alcance as capacidades necessárias para o enfrentamento de animais mais temíveis que habitam na outra parte da terra, entre os lobos e as orquídeas.
Seja lá o que deus quiser, aí vou eu. Nada de precipitações exageradas. Recolhe-te. Guarda um tempo de silêncio para decifrar tuas fraquezas, medir as forças, encontrar teu oásis. Entrega-te antes à transcendência. Não saías assim de supetão, como se lançado à própria sorte. Suicídio. Não é dessa forma que se trilham os caminhos. Não deves sair já com a sentença do fracasso, como refeição fácil para os lobos. Não sei dizer quantos dias tens que nutrir-se do silêncio. Não é questão matemática de tempo. É quando o silêncio dentro de ti tomar a forma de tambores convocando para a guerra. Vale mais deter-se no silêncio prolongado sem a preocupação de pôr ao lado uma ampulheta. Sem sombras de dúvida que a paz alcançada não terá prazo de validade. Portanto, insisto que te mantenha em silêncio o tempo necessário para empreender a caminhada. Bem sabes que podes renunciar ao caminho, mas isso significa negar a existência. Se esse desejo predomina na superfície de teus poros, certamente, não faz parte do desejo que borbulha nas entranhas de tua alma. Teu ser tem tendência a caminhar. Parar é chaga. Desistir é menosprezar a força reinante em tuas vísceras, qual larvas de um vulcão adormecido.
Teu semblante viu fantasma. Estás trêmulo e tua pele está gelada. Eu entendo. O medo tem uma astúcia própria para nos enganar quanto à nossa vontade mais profunda. Chega a nos confundir ao querer nos convencer que ele é o motor que promove nossa sobrevivência. Atestado de Óbito, isso sim é o que ele representa. Seja mais sagaz. Não dê ouvidos às sentenças venenosas dele. Escute-o com desconfiança. Ele quer que te vistas de desejos pusilânimes. Abrirei teus olhos para a realidade dos que enveredam pela doutrina do medo. Tu não consegues ver – ele jamais tiraria o véu - o que está à tua volta nesta margem do caminho; mas eu descreverei para que vejas as delícias que o medo quer te propor. Antes que vejas com teus próprios sem nenhum truque de ilusão de ótica, alertarei o que verás para que não suceda que caías e alegre o medo. Aqui ao teu redor te farei contemplar crânios, ossos amontoados, corpos recém caídos. Vou esperar que recolhas estes olhos esbugalhados ante minha descrição. Não é para aumentar tua devoção ao medo. Se isto acontecer estarei sendo o traidor de minha própria argumentação. Feche e abra os olhos. Pronto. Ali do teu lado esquerdo era uma senhora de 50 anos. Devota do medo aos 40 anos. Esse crânio encostado aí no teu pé direito pertencia a um jovem de 25 anos. Fiel ao medo desde tenra idade. Se quiseres te deixo olhar mais. Tudo bem. Naquele lado não há corpos. Lá podes te entregar ao silêncio.

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